sábado, 24 de maio de 2008

Entrevista a Susana Ribeiro

Susana Ribeiro, jornalista do Público.PT, brinda-nos com a sua opinião acerca do que foi, do que é e do que poderá vir a ser o Jornalismo, tendo em conta aquilo que o cidadão - jornalista desempenha e representa na nossa sociedade.

Bruno Gomes: Acha que o jornalismo cidadão está a ganhar cada vez mais terreno?

Susana Ribeiro: Não há dúvida que sim. Os blogues e páginas pessoais crescem a ritmo diário. Cada vez mais as pessoas querem sentir que fazem parte da construção de notícias. Muitas pessoas mandam fotografias e informações para as redacções dos jornais, com links para os seus blogues ou a dar conta de acontecimentos que elas presenciaram em primeira mão. Os acontecimentos e a leitura que se faz deles “democratizaram-se” ao ritmo da penetração da tecnologia no dia-a-dia dos cidadãos do século XXI. Simultaneamente, a informação divulgada por cidadãos anónimos tem - para as pessoas que adoram teorias da conspiração – a aura de independência, no sentido em que ela é produzida fora da esfera dos grandes grupos económicos dos media. E obviamente isto é muito excitante para a cada vez maior comunidade de internautas. É uma nova era para um jornalismo pronto – a - comer, imediato, de cidadão para cidadão. E isso é um fascínio e um mar de potencialidades que não se pode negar, obviamente.

Bruno Gomes: Deixarão de existir jornalistas profissionais para passarmos a uma era de "cidadãos jornalistas"?

Susana Ribeiro - É possível que sim… Em termos práticos, porém, é preciso perceber que os cidadãos - jornalistas, para além de uma motivação extrema (sendo que, em teoria, não têm contrapartidas monetárias pela sua dedicação) precisam, por exemplo, de meios técnicos para conduzir o seu trabalho (câmaras, máquinas fotográficas, gravadores) e, por outro lado, precisam de poder aceder a fontes. E é provavelmente aqui que “a porca torce o rabo”. Nem sempre basta que se documente alguma coisa que se passou. É quase sempre preciso arranjar estatísticas, recolher testemunhos, conseguir declarações… E nessa altura como é que o cidadão - jornalista faz? Como faz para pedir acreditações sem carteira profissional, por exemplo? Não digo que não seja possível – aliás, tenho uma perspectiva muito pouco elitista e exclusivista desta profissão e acho até que há bloguers que escrevem sobre determinados assuntos com muito mais dedicação, rigor e conhecimento de causa que muitos jornalistas –, mas a área ainda é muito nebulosa e há uma série de coisas que é preciso ponderar. Antes de tudo a questão do rigor, por exemplo. Tal como olhamos com desconfiança os artigos da wikipédia, presumo que o mesmo poderá suceder (e atormentar) com um cidadão - jornalista. Precisamente porque trabalha fora de uma estrutura que se rege por determinadas regras. Eu, por exemplo, trabalho sob a direcção de um editor e estou vinculada ao Livro de Estilo do Público. Um cidadão - jornalista está vinculado a quê? Resumindo: esta temática ainda me suscita mais dúvidas que respostas… De qualquer forma, volto a sublinhar: sou muito pouco elitista em relação à carreira de jornalista. Acho que é jornalista quem mostre capacidade para o ser e possa passar as provas básicas necessárias a que possa exercer essa profissão. A verdade é que as redacções dos jornais (incluindo no Público) estão cheias de pessoas cuja formação de base não foi o jornalismo. Temos licenciados em Economia, em Direito, em Filosofia… E todas estas pessoas desempenham a profissão com a mesma qualidade que qualquer pessoa que se tenha licenciado em Jornalismo.

Bruno Gomes: Existirá a hipótese de o jornalismo passar de profissão a hobbie?

Susana Ribeiro: Tal como referi acima, não afasto nenhuma hipótese neste campo. Eu sou leitora diária de blogues sobre música, televisão e cinema - alguns escritos por pessoas que eu conheço, que são minhas amigas pessoais - e posso dizer sem pestanejar que produzem posts excelentes, à altura de poderem figurar em qualquer página de jornal. Elas obviamente fazem isso como hobbie. O único incentivo que têm, presumo, é o de poderem agradar e partilhar informação com uma comunidade de leitores. Nota-se que têm um brio quase “profissional” naquilo. Sublinhe-se que essas pessoas não recebem nada por isso. É por isso muito meritório da parte delas fazerem-no com semelhante empenho. Mas, efectivamente, não há um compromisso da parte delas com o blogue. Quando vão de férias, por exemplo, os leitores ficam sem actualizações. Isto é impensável com os media tradicionais. Precisamente porque há um profissionalismo envolvido no processo que, na minha opinião, só se consegue quando as pessoas fazem desse trabalho o seu modo de vida.

Talvez por isso veja com alguma dificuldade o jornalismo do futuro transformar-se apenas numa actividade de lazer. A verdade é que os leitores exigem um elevado grau de rigor, anseiam por trabalhos de investigação sérios e, sinceramente, neste momento não consigo imaginar que os cidadãos - jornalistas possam dar isto aos leitores se forem meros “amadores” no campo do jornalismo, por muito bem intencionados e esforçados que sejam.

Bruno Gomes: Que me tem a dizer sobre uma colaboração entre jornalistas profissionais e "cidadãos jornalistas"?

Susana Ribeiro: Hoje em dia isso já acontece. Muitas vezes são os próprios jornais e televisões a pedir ajuda aos chamados cidadãos - jornalistas em caso de acidentes e catástrofes. Nas recentes cheias de Lisboa (em Fevereiro último), o Público publicou fotografias enviadas por leitores. Em casos como este é muito comum as redacções aproveitarem o trabalho muito válido das pessoas que estão no local onde, efectivamente, as coisas se estão a passar.

Simultaneamente, é muito comum os jornalistas acederem a blogues onde acabam por descobrir temas para os seus trabalhos. Os blogues podem servir para denunciar histórias. Podem indicar aos jornalistas onde é que eles devem ir “farejar”. E isso é igualmente muito válido. Em resumo: acho que qualquer colaboração entre jornalistas profissionais e cidadãos - jornalistas - se as suas intenções forem boas e não estiverem contaminadas com o desejo de manipulação – só pode ser positiva.


Bruno Gomes

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